terça-feira, 10 de abril de 2012

Filé com osso

A inovação introduzida pela Anatel na proposta de edital para o espectro destinado à quarta geração (4G) dos serviços móveis na faixa de 2,5 GHz, colocada em consulta pública em janeiro, leva ao limite a política do “filé com osso”, já praticada na licitação de 3G, em 2007. Trata-se da política de conceder algo que todo mundo quer e anexar ao “filé” alguma obrigação nem tão atraente. A diferença é que no leilão de 3G, a estratégia visava garantir o investimento em redes de banda larga em áreas pouco atrativas comercialmente. Dessa vez, a Anatel propõe uma vinculação, obrigando os interessados no espectro de 2,5 GHz a levarem também a faixa de 450 MHz e prestarem o serviço de atendimento rural.

A faixa de 2,5 GHz é uma frequência destinada à quarta geração, tanto com a tecnologia WiMAX quanto com LTE e TD-LTE. A sua principal característica, por ser uma faixa alta, é prover grande capacidade de banda com baixa potência de sinal. A faixa é ideal para cobertura de áreas com grande densidade de usuários, como São Paulo e Rio de Janeiro. A faixa de 450 MHz, por outro lado, tem característica exatamente oposta. Consegue cobrir grandes áreas, mas com baixa capacidade. Assim, ela é usada basicamente para o atendimento de áreas rurais, cobertura de estradas e regiões com ocupação dispersa de modo geral.

A tecnologia disponível hoje para a faixa 450 MHz é o CDMA 2000, que no Brasil já foi descontinuado pela única operadora que optou pela tecnologia, a Vivo. Para as empresas, o gerenciamento de duas redes distintas se traduz em mais complexidade técnica. Além disso, nunca é demais lembrar que os terminais são mais caros, porque não têm a escala do GSM.

Se forem mantidas as condições colocadas pela Anatel na consulta do edital, a licitação funcionará da seguinte forma: no primeiro lote (Lote 1) será oferecido o direito de uso da faixa de 450 MHz nacionalmente, atrelado a obrigações de atendimento e compartilhamento. Se esse bloco for arrematado, as faixas de 2,5 GHz não terão o “ônus” da vinculação com o 450 MHz. Mas se não forem, as regras preveem então a vinculação do 450 MHz com os três blocos de 20 MHz + 20 MHz (W, V e X) da faixa de 2,5 GHz, justamente os mais atrativos às operadoras móveis.
Mesmo que o Lote 1 seja arrematado e as operadoras vencedoras dos blocos de 20 MHz + 20 MHz não levem o “osso” junto com o “filé”, elas ainda terão obrigações relativas ao atendimento rural. Caberá a elas disponibilizar torres e infraestrutura de suporte para a instalação das antenas de 450 MHz pela prestadora vencedora do Lote 1. E disponibilizar capacidade “necessária e suficiente” na rede de transporte para que a vencedora do 450 MHz atenda aos compromissos de abrangência, no máximo pelos custos compartilhados de operação e manutenção. Esse modelo, de acordo com explicação do conselheiro da Anatel Rodrigo Zerbone, relator da matéria, visa racionalizar os investimentos de modo a viabilizar a venda da faixa de 450 MHz separadamente.

“Tivemos a preocupação de montar uma proposta de edital que assegurasse a viabilização da faixa de 450 MHz, porque é uma orientação política do governo, e também a atratividade do 2,5 GHz”, diz Zerbone.
Para o presidente da Anatel, João Rezende (ver entrevista nesta edição), a faixa de 450 MHz será viabilizada com o desenvolvimento de tecnologias de LTE adaptadas a ela. “No longo prazo, o LTE estará viabilizado em todas as faixas. Quanto mais espectro as operadoras tiverem, melhor”.

No planejamento da Anatel, a ideia é conseguir cinco operadores de 4G na faixa de 2,5 GHz. Três ficariam com as faixas pareadas de 20 MHz + 20 MHz (faixas W, V e X). Um ficaria com a faixa pareada P, de 10 MHz + 10 MHz. E um ficaria com a faixa não-pareada U (35 MHz). Ninguém diz, mas o que está na cabeça dos técnicos é colocar as quatro grandes operadoras móveis nas faixas pareadas, para as quais a tecnologia óbvia é o LTE, enquanto uma operadora como a Sky ou GVT poderia entrar na faixa U, utilizando a tecnologia TD-LTE ou WiMAX. Essa é a teoria, o racional por trás do modelo proposto. Mas na prática a coisa pode ser diferente.

Compartilhamento complicado
De acordo com um executivo do setor, por exemplo, as regras de cessão de capacidade e compartilhamento de infraestrutura exigidas causaram mais desconforto nas empresas que não têm em seu grupo concessionárias do STFC, ou seja, TIM, GVT, Nextel e Sky. O compartilhamento compulsório de rede é algo que não existia até então em qualquer regime de prestação de serviço que não o STFC. Segundo a fonte, existe uma dificuldade da área de engenharia dessas empresas em entender a dinâmica de relacionamento que a Anatel coloca entre as vencedoras da faixa de 2,5 GHz e a vencedora da faixa de 450 MHz.

Vale lembrar que a vencedora da faixa de 450 MHz (ou vencedoras, caso ela seja imputada às vencedoras do 2,5 GHz) deverá ainda ceder capacidade de rede para a concessionária da região cumprir as metas do Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU III).

Desvinculação
Esse complexo cenário e a dificuldade de enxergar, na prática, como funcionarão as regras levaram o SindiTelebrasil, o sindicato que reúne as operadoras fixas e móveis, a pedir formalmente a total desvinculação das faixas. E, mais do que isso, o sindicato quer acesso às planilhas e os estudos da Anatel que provariam que o modelo proposto se sustenta financeiramente. “Requeremos que, visando a aceleração das políticas públicas e o pleno atendimento dos picos de alta velocidade e da área rural, seja avaliada a possibilidade de que se proceda a desvinculação total das faixas de 2,5 GHz e 450 MHz”, disse Sérgio Kern, diretor da entidade em audiência pública da Anatel sobre o assunto.

A manifestação do SindiTelebrasil pode ser um indício de uma atuação mais contundente do sindicato. Do ponto de vista jurídico, não está totalmente claro até que ponto a Anatel poderia obrigar uma prestadora que comprar o 2,5 GHz a levar também o 450 MHz, que tem uma carga pesada de obrigações de atendimento rural (veja quadro), ainda mais considerando que as obrigações de cobertura rural recaem especificamente sobre as concessionárias de telefonia fixa. O SindiTelebrasil considerou excessivos os compromissos de abrangência colocados para a faixa de 2,5 GHz, uma vez que as empresas ainda estão concluindo as metas de atendimento das faixas de 3G, leiloadas em 2007.

Quem entrará?
Será que as empresas se interessarão pela faixa, diante de um cenário tão incerto, com obrigações pesadas e exigência de compartilhamento de rede nunca antes colocadas? Pelos menos a Oi, a Vivo e a TIM colocaram publicamente que gostariam que o leilão do 2,5 GHz acontecesse em circunstâncias diferentes, em função de ainda estarem realizando os investimentos para cumprir as metas de atendimento do leilão de 3G. Apenas a Claro se manifestou pela realização imediata do leilão. E é nela que a Anatel e o governo apostam para despertar a disputa pelas faixas. É provável, portanto, que todas as quatro grandes móveis participem do edital.

A configuração que a Anatel deu ao edital também afasta a hipótese de não haver disputa pelas faixas. Isso porque o limite inicial de frequência é de 40 MHz na primeira rodada, subindo para 80 MHz caso algum bloco não seja vendido. Isso permite que uma mesma operadora adquira dois blocos de 20 MHz + 20 MHz (por exemplo a Claro, que mostra mais apetite). Se isso acontecer sobraria apenas um bloco de 20 MHz + 20 MHz para ser disputado entre pelo menos três operadoras quando a Anatel recolocasse a faixa à venda no futuro.

Um analista do mercado financeiro ouvido por TELETIME avalia que Claro não deverá ter problemas em participar do leilão, porque conta com a capitalização do grupo América Móvil. Já a Vivo, embora não possa contar com a capacidade da Telefónica de levantar dinheiro no tumultuado cenário econômico europeu, tem a seu favor a baixa alavancagem no Brasil e a capilaridade da rede 3G, o que reduz o custo de implantação da rede.

A TIM, segundo este analista, está trabalhando sua base de clientes para que eles consumam dados e tenham um perfil de gastos com maior previsibilidade de receita. Isso explica por que a operadora se posicionou pelo adiamento do leilão. O caso mais complicado seria o da Oi. A empresa, desde que comprou a Brasil Telecom, não consegue voltar a investir como no passado e, mais do que isso, vem ano a ano registrando quedas de quase dois dígitos na receita. Além disso, a empresa enfrenta problemas com os acionistas minoritários, que em sucessivas tentativas se colocaram contra propostas de simplificação societária. Aliás, segundo esse analista, se a reestruturação societária que será votada pela companhia de 27 de fevereiro for aceita, a empresa deverá desembolsar cerca de R$ 2 bilhões entre direito de retirada e dividendos aos minoritários da BrT, comprometendo ainda mais a capacidade de investimento no curto prazo.

Telefônica e MMDS pagam a conta
O modelo de licitação da faixa de 2,5 GHz só funcionará exatamente como quer a Anatel se as operadoras de MMDS (o que inclui a Telefônica) desocuparem a faixa e não criarem conflitos. No caso da operadora espanhola, a situação é mais crítica, pois a presença da Vivo na disputa passa, hoje, por uma retirada cara e dolorosa do MMDS.

O leilão das faixas de 2,5 GHz é o resultado de um processo que começou em 2010, quando a Anatel editou a Resolução 544. Foi a regra que reordenou a faixa de 2,5 GHz, até então ocupada exclusivamente pelos prestadores de TV por assinatura por MMDS, e a destinou prioritariamente para a 4G e para os serviços de banda larga. As empresas de MMDS, que ocupavam todo o range de 190 MHz da faixa, ficaram com apenas 70 MHz.

A Sky, que comprou em 2009 a operadora de MMDS ITSA, este ano anunciou a compra da Acom e no final do ano passado começou a operar 4G em Brasília, com a tecnologia TD-LTE. O grupo Claro/Embratel, por meio da Net, também detém outorgas de MMDS em Curitiba, Porto Alegre (onde divide espectro com a Telefônica) e Recife.

O grupo Telefônica/Vivo, por sua vez, adquiriu a operadora de cabo e MMDS TVA em 2006, pagando cerca de R$ 1 bilhão. Tinha como atrativo, além dos assinantes de TV paga, o espectro do MMDS em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre.

Seis anos depois, entretanto, a empresa se vê obrigada a se desfazer da faixa para que a Vivo possa participar do leilão. De acordo com as regras do edital colocado em consulta pública, para que uma empresa que já tenha outorga na faixa de 2,5 GHz possa disputar o leilão ela deverá abrir mão da faixa que já tem.

As empresas de MMDS hoje ocupam os blocos U (35 MHz) e P (10 MHz + 10 MHz), além do T (15 MHz), que não será colocado à venda neste momento e se destinará, no futuro, ao governo. Se uma empresa de MMDS, como a Sky, por exemplo, quiser disputar o bloco U, ela deverá abrir mão da faixa P, e vice-versa. No caso da Vivo a situação se complica, porque a empresa teria interesse, em tese, em disputar um dos blocos de 20 MHz + 20 MHz (W, V e X), mas para isso teria que abrir mão das faixas U, T e P, para não ultrapassar o limite de frequências estabelecido pela Anatel na venda desses três lotes, que é de 40 MHz. Caso a Vivo se interesse pela faixa P (10 MHz + 10 MHz), ela deverá abrir mão da U, um vez que a prestadora, sua coligada, controlada ou controladora não poderá deter espectro em TDD e FDD. A operadora acreditava que o limite seria de 60 MHz, como prevê a Resolução 544, e que ela poderia manter pelo menos a faixa P.

Oficialmente, a operadora não comenta o problema. Segundo Leila Loria, diretora executiva de regulamentação, a Telefônica está alinhada com o SindiTelebrasil, ou seja, pede a desvinculação da faixa e a redução das obrigações.

Indenização
Está prevista no edital uma indenização para as empresas de MMDS caso haja compradores para os blocos que elas ocupam hoje. A grande insatisfação dessas empresas, entretanto, é que a Anatel não indica qual é o método para o cálculo dessa indenização, nem qual seria o critério usado pela comissão de arbitragem para a resolução de conflitos. Sabendo antecipadamente quais são as regras, as negociações tenderiam a ser mais céleres e justas, na opinião de Miguel Martins, presidente da Acom, que recentemente foi adquirida pela Sky. “Julgo que seria interessante para todos que a Anatel fosse um pouco para a frente”, disse ele na audiência pública que a Anatel promoveu em Brasília.
O presidente da Neotec, a associação dos operadores de MMDS, Carlos André Lins de Albuquerque, acrescenta que os operadores de MMDS precisam dessa indenização para migrarem seus assinantes para outro sistema. Com a reorganização da faixa, a Anatel mudou a canalização da frequência de 6 MHz para 5 MHz, o que implica a troca completa dos equipamentos e, portanto, segundo ele, a morte do MMDS. Carlos André prevê, na verdade, uma mudança não só de tecnologia, mas sim do modelo de negócios dessas empresas. “Dentro desse cenário de redução de espectro e a possibilidade se fazer banda larga e telefonia móvel, a maioria das empresas está vislumbrando uma mudança completa nos seus modelos de negócios”, afirma ele.

De acordo com a Resolução 544, as empresas de MMDS têm até junho de 2013 para desocuparem a faixa. Entretanto, o edital prevê que as empresas que comprarem a faixa deverão atender às sedes da Copa das Confederações até maio de 2013 e às sedes da Copa do Mundo até junho de 2013 (ver tabela). A Neotec afirma que as empresas de MMDS dependem da indenização das teles para migrarem seus clientes para outro sistema e essa negociação deverá ser concluída em até 24 meses, prazo que deverá ser encerrado em 2014. Então, para que as teles possam atender às metas de abrangência do edital e as empresas de MMDS, por outro lado, também tenham tempo hábil para cumprirem o prazo para a devolução da faixa, a associação pede que a Anatel faça uma revisão no prazo máximo para a indenização.

Outro ponto que ainda não foi totalmente esclarecido pela Anatel em relação às empresas de MMDS diz respeito aos valores que vêm sendo cobrados para renovarem suas autorizações de MMDS e para a obtenção de autorizações de SCM e SMP associadas às suas faixas. Esse questionamento também foi colocado em audiência pública pela Neotec. Seria razoável aceitar que a empresa que já pagou pela renovação da sua licença de MMDS e que adicionalmente venha a pagar pela autorização de SCM e/ou SMP pague novamente no leilão, que, como se sabe, diz respeito à frequências associadas às licenças para prestarem os mesmos serviços? O pagamento duplicado aconteceria, na visão da associação, nos casos em que a empresa tenha solicitado e venha a pagar à Anatel pela outorga de SCM ou SMP, antes ou depois do leilão.

A resposta do superintendente de serviços privados da agência, Bruno Ramos, foi de que, em primeiro lugar, esses pagamentos ainda não foram efetuados de fato, e que em casos passados a agência cobrou valores proporcionais ao tempo que a empresa usufruiu da licença ou da renovação. A Neotec argumenta que o mais correto seria deduzir esses valores já pagos do preço pago pela companhia para as faixas do edital.

Fonte: http://www.teletime.com.br/03/04/2012/file-com-um-grande-osso/tt/271237/revista.aspx

Nenhum comentário:

Postar um comentário