sábado, 31 de março de 2012

Sai Telefônica entra Vivo

O grupo de telefonia espanhol conclui o processo de integração de suas operações fixas e celulares e inicia uma nova fase de competição no acirrado mercado brasileiro de telecomunicações

Nos anos 1990, o executivo carioca Antonio Carlos Valente trabalhou como assessor especial do então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Nessa época, ele fez parte do grupo que desenhou o modelo de privatizações das telecomunicações, atuando diretamente na formulação da política que separava as operações de telefonia fixa das móveis das empresas do sistema Telebras. O objetivo era vendê-las separadamente para aumentar o seu valor. Quase duas décadas depois, numa dessas ironias da vida, Valente está percorrendo o caminho inverso.

Como presidente da subsidiária brasileira do grupo espanhol Telefônica, ele está agora à frente da nova Vivo, resultado da maior fusão em curso da telefonia brasileira, que une as operações de telefonia fixa da Telefônica com as de celulares da Vivo, dando origem a um colosso cuja receita líquida foi de R$ 33 bilhões, em 2011, com 117 mil funcionários diretos e terceirizados. No próximo dia 15 de abril, a integração da Vivo pela Telefônica passará pelo seu dia D. Em um domingo, a empresa espanhola  vai virar, literalmente, a chave ou mudar de sinal, para usar uma imagem mais adequada ao mercado de telefonia, e passará a se chamar oficialmente Vivo no Brasil. Os clientes do serviço de banda larga Speedy se transformarão em usuários do Vivo Speedy e os assinantes da tevê por assinatura da TVA migrarão para a Vivo TV.

“A Vivo é uma marca conhecida, muito jovem e que as pessoas valorizam muito”, afirmou Valente, em entrevista exclusiva à DINHEIRO, sentado na primeira fileira de um ônibus que o levava para Catas Altas da Noruega, a 140 quilômetros de Belo Horizonte, onde iria inaugurar uma antena de telefonia 3G, no dia 20 de março (leia mais ao final da reportagem). Não se trata apenas de uma mudança cosmética, na qual o nome Vivo passa a estampar todos os serviços de telefonia fixa, celular, banda larga e tevê por assinatura da companhia no Brasil. A empresa espanhola segue uma tendência global no setor de telecomunicações, na qual, com as operações integradas, além de ganhos de sinergias estimados entre R$ 8,5 bilhões e R$ 10 bilhões nos próximos 10 anos, será capaz também de oferecer pacotes convergentes aos seus consumidores.

Era tão estratégico atuar dessa forma, que a Telefônica travou uma batalha pública com a Portugal Telecom, sua sócia na operadora móvel, para ficar com a fatia dos portugueses, o que a obrigou a desembolsar €7,5 bilhões, em julho de 2010, para poder controlar sozinha a Vivo. Dessa forma, passa a competir de igual com igual com a arquirrivais Oi, que já atua dessa forma, e a mexicana América Móvil, dona da Embratel, Claro e NET. Os desafios que a nova Vivo tem pela frente não são triviais. Em primeiro lugar, terá de provar que não herda os atributos negativos da marca Telefônica, fortemente identificada com as panes do Speedy, em 2009. “A marca Telefônica traz um forte ranço de mau atendimento”, diz Eduardo Tomiya, diretor-geral da consultoria de marcas BrandAnalytics.

“A mudança para Vivo é bastante positiva.” Com mais de 80 milhões de clientes, a operadora precisa uniformizar a qualidade do atendimento para essa gigantesca base de clientes. Na semana passada, uma usuária de São Paulo não conseguia comprar um plano de dados para o seu celular, devido a problemas técnicos, segundo uma funcionária da Vivo. A empresa precisará também vender nacionalmente serviços que apenas ofertava no Estado de São Paulo, como a telefonia fixa e a banda larga. Desde outubro, no entanto, a companhia começou silenciosamente a se mover nessas áreas com o Vivo Fixo e o Vivo Box, respectivamente. Eles já podem ser comprados em oito Estados e em 140 cidades do Brasil. “O plano é levá-lo para todo o Brasil”, diz Paulo César Teixeira, diretor-geral da Vivo.

Nem sequer na área de telefonia móvel, em que ainda mantém a liderança com relativa folga, a Vivo pode operar tranquila. Ela tem observado os italianos da TIM aumentarem rapidamente sua participação de mercado. Em 2010, a diferença entre ambas era de 9,2 milhões de assinantes. No ano passado, caiu para 7,4 milhões. Em aparelhos pré-pagos, a distância encurtou-se ainda mais perigosamente, ficando em apenas 660 mil clientes em 2011. “Se a Vivo der uma bobeada, a TIM passa”, afirma Eduardo Tude, presidente da consultoria especializada em telecomunicações Teleco. “Mas a Vivo tem demonstrado que não vai deixar isso acontecer.” De fato: nos dois primeiros meses deste ano, a diferença subiu para 1,1 milhão de clientes. “A TIM foi muito agressiva ao longo dos últimos anos”, diz Valente.  “Mas tem tido algum reflexo negativo em função dessa agressividade.”

O reflexo a que se refere Valente são os problemas de qualidade da rede da TIM. Nos últimos dois anos, ela foi obrigada a parar de vender suas linhas em diversos Estados, como Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Alagoas. Neste ano, a operadora italiana também ficou à frente da Telefônica no ranking de reclamações da Fundação de Defesa e Proteção do Consumidor de São Paulo (Procon-SP). Depois de seis anos na liderança da lista, a Telefônica deixou essa incômoda posição. “A Telefônica assumiu o compromisso de reduzir os problemas e está conseguindo atender de maneira mais adequada em seus próprios canais”, diz Paulo Góes, diretor-executivo do Procon-SP. A Telefônica montou uma verdadeira operação de guerra para reverter sua imagem negativa.

Primeiro, simplificou a oferta de serviços. Se havia dez tipos diferentes, optou por oferecer apenas um. Depois, reforçou a confirmação do que foi contratado. Por fim, a companhia resolveu adotar uma medida inusitada: contratou o serviço de quatro institutos de meteorologia. Assim, sabia quando haveria temporais que poderiam afetar suas redes e também dificultar a movimentação das equipes técnicas até a casa dos clientes. “A previsão do tempo entrou no nosso planejamento”, afirma Valente. Caberá agora a esse engenheiro, hoje com 59 anos, formado pela PUC-RJ, torcer para que, com a ajuda do serviço meteorológico, consiga manter a companhia à prova de chuvas e trovadas.  Para que isso ocorra, os espanhóis prometem não economizar. Até 2014, Valente tem para investir no País nada menos de R$ 24,3 bilhões, mais de 50% do desembolsado nos quatro anos anteriores.

O 3G chega aos grotõesO ônibus serpenteia as montanhas de Minas Gerais, em direção a Catas Altas da Noruega, cidade com 3,5 mil habitantes, a 140 quilômetros de Belo Horizonte, onde será inaugurada uma antena de telefonia 3G da Vivo. “Quando chegar lá, você vai conhecer o Brasil real”, afirma Antonio Carlos Valente, presidente do grupo Telefônica, para mim, referindo-se ao grotão mineiro. Ao desembarcar em Catas Altas, o prefeito Giovane Neiva recebe Valente com um largo sorriso. Cerca de 200 pessoas, que comem pipocas e algodão doce distribuídos gratuitamente, esperam pelo início da solenidade, realizada ao pé na nova torre 3G, que receberá o nome de Euclides Felicidade Bandeira, um cidadão catas-altense, que morreu com 95 anos de idade.

“É como se estivéssemos trocando um carrinho por um carrão”, diz Neiva à DINHEIRO, em uma referência à tecnologia 3G, que permite acesso à internet pelo celular. Valente é o primeiro a falar. “Nas cidades grandes, todas as operadoras estão; nas médias, algumas estão; mas nos pequenos municípios só a Vivo está”, diz ele, sob os aplausos dos presentes. A viúva de Bandeira, dona Maria da Conceição, é chamada para descerrar a placa de inauguração da antena (foto acima). Ela sobe ao palco com os olhos marejados e as mãos entrelaçadas e trêmulas. Rojões espocam no céu. “Viu como é o Brasil real?”, comenta antes de se dirigir para o campo de futebol de Catas Altas e embarcar em um helicóptero que a levará para o aeroporto de Confins,  de onde seguirá para Vitória.

Fonte: http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/80475_SAI+TELEFONICA+ENTRA+VIVO

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